CASTING A SOUNDING VOICE
Sorry, text only available in portuguese.
CASTING A SOUNDING VOICE
Sorry, text only available in portuguese.
Casting a Sounding Voice
Em Casting a Sounding Voice é explorada a relação entre a voz, o toque e a sua marca visível, com um foco especial na voz humana enquanto integrada na “voz” dos materiais, ou da matéria. O título é o elemento central que une muitas das derivações semânticas aqui presentes. Casting a Sounding Voice abrange a voz no seu sentido amplo, como som emitido com o propósito de comunicação ou de estar em contacto, desdobra-se na impressão de som na expressão audível e ao de tradução sonora na moldagem de matrizes a serem fundidas em peças metálicas. A premissa subjacente é revelar como o toque contínuo, enquanto forma de contacto que existe em toda a matéria, emite sons, vozes plurais, que variam em termos de perceção, tanto sonora, como visual e tátil. Estas peças podem ser enquadradas numa intenção de “descolonização da audição”, como parte de um processo de descolonização cultural — processo que implica a ampliação do nosso reconhecimento da diversidade sonora e vocal, bem como um ajuste percetivo que permita uma audição particular, muito atenta, consciente e ética. Através deste propósito, questionam-se quais as vozes e quais as sonoridades que foram historicamente subalternizadas e marginalizadas, assim como quem ou o que foi silenciado, e quais, por sua vez, foram as “vozes” autorizadas a ressoar. A escolha do bronze, um material extraído do solo, é simbólica e representa a memória, não apenas da humanidade, mas também da Terra, anterior à presença humana. O bronze foi o material eleito para destacar a herança que recebemos da era da industrialização, na qual a visão mecânica do mundo prevaleceu. Foi nessa visão mecanicista que se alicerçou a exploração mais intensiva dos recursos naturais, dividindo o mundo entre natureza e cultura, com a natureza sendo vista como inerte, passiva e silenciada para servir a cultura humana. O bronze nestas peças não é uma escolha somente estética que poderia passar pela fetichização do seu valor enquanto material nobre, mas também uma representação simbólica desse contexto histórico e da crítica à cultura extrativista, que se aplica não apenas às matérias-primas usadas na energia (quer fóssil, quer dita “limpa”), mas também extensível aos nossos corpos num sistema capitalista.
Arder a palavra — e outros incêndios
Nesta peça têxtil, a “voz” de Ana Luísa Amaral (1956–2022), poetisa, feminista e teórica queer, é enunciada enquanto ainda audível e ressonante, quer nos arquivos da rádio Antena 2 — no programa que mantinha intitulado O Som que os Versos Fazem ao Abrir, cuja abertura incluía a recitação do poema da norte-americana Emily Dickinson: “Se leio um livro e ele torna o meu corpo tão frio/Que nenhum fogo o pode aquecer/Sei que isso é poesia” — quer através dos seus ensaios, especialmente nos que se encontram no livro Arder a Palavra — e outros incêndios. Neste livro, Ana Luísa Amaral explora a presença do corpo na literatura, usando o fogo como um símbolo de desejo de contacto, como se por detrás de toda a literatura houvesse sempre um corpo que procura outros. Assim, se nestes ensaios a autora reflete sobre as materialidades, a presença e o desaparecimento, o real e o imaginário, o fogo aparece também como elemento disruptivo e instaurador de mudança, marcando uma viragem nos paradigmas estruturais, para albergar perspetivas corporalizadas, assentes nas sensações, emoções e de cariz fisiológico. A escolha de uma técnica têxtil tradicional da zona de Beiriz, patente na realização do “quadro-tapete”, serve para realçar o cruzamento etimológico da palavra têxtil com texto, traduzindo a voz que se expressa e se afirma na escrita numa nova visualidade.
O Teatro das Plantas
As micronarrativas de O Teatro das Plantas partem de dados biográficos de Aurélia de Souza e de observações e recomendações ficcionalmente trocadas, ao longo de extensas gerações, entre mães e filhas, entre irmãs, e entre filhas que passam a ser “mães”, num teatro familiar de cuidados mútuos, recriado além do parentesco linear. No conjunto, ter-se-á procurado dar espaço de representação literária ao que é comummente tido como insignificante (com pouco ou de desvalorizado significado), registando-se a familiaridade dos gestos trocados e as relações de cumplicidade estabelecidas entre humanos e os animais, as plantas, o mar e o rio, e desta forma complexificando o sentido de coexistência. Em contraste com a brevidade do que é ouvido, imagens de um painel cerâmico, feito do composto de vários jardins da cidade do Porto, são projetadas a um ritmo vagaroso, interrompendo expectativas da experiência de tempo comum e retendo a atenção no instante. Para esta composição, Kali/João Leonardo/PASSARUMACACO criou um ambiente sonoro, estruturado a partir dos elementos naturais implícitos nas narrativas.
O projeto O Teatro das Plantas, apresentado publicamente em 2023 — inicialmente como uma performance em fevereiro, no Museu Nacional de Soares dos Reis e posteriormente em formato de vídeo em julho durante a residência no espaço Performing the Archive — evoluiu através de um processo de exploração da própria voz da artista. Esta exploração envolveu repetidos ensaios até à exaustão, realizados num ambiente de estúdio. O projeto expandiu-se para analisar a complexa relação de se ser, num primeiro momento, simultaneamente o emissor e o recetor da voz, reconhecendo características particulares, padrões e imperfeições nessa voz, e possivelmente até um certo encanto, com o propósito de a moldar e torná-la adequada à expressão pública. Esse fenómeno de estranhamento, causado pelo desfasamento entre a voz interna, que é conduzida no interior do corpo pelos tecidos moles e pelwos ossos, e a voz já exteriorizada, fora do corpo, foi explorado com o auxílio de equipamentos de gravação vocal. Além disso, a voz escrita também se entrelaça aqui com a redação de uma série de breves histórias interconectadas que evocam o jardim retratado na pintura intitulada À Sombra (s.d.), da artista Aurélia de Souza. Nesta terceira apresentação de O Teatro das Plantas, também foi incluída a tradução para a língua inglesa, que representou por si só um notável desafio, juntamente com uma série de esculturas em gesso. Estas esculturas foram criadas com base em estímulos retirados das narrativas recitadas.
Em Casting a Sounding Voice é explorada a relação entre a voz, o toque e a sua marca visível, com um foco especial na voz humana enquanto integrada na “voz” dos materiais, ou da matéria. O título é o elemento central que une muitas das derivações semânticas aqui presentes. Casting a Sounding Voice abrange a voz no seu sentido amplo, como som emitido com o propósito de comunicação ou de estar em contacto, desdobra-se na impressão de som na expressão audível e ao de tradução sonora na moldagem de matrizes a serem fundidas em peças metálicas. A premissa subjacente é revelar como o toque contínuo, enquanto forma de contacto que existe em toda a matéria, emite sons, vozes plurais, que variam em termos de perceção, tanto sonora, como visual e tátil. Estas peças podem ser enquadradas numa intenção de “descolonização da audição”, como parte de um processo de descolonização cultural — processo que implica a ampliação do nosso reconhecimento da diversidade sonora e vocal, bem como um ajuste percetivo que permita uma audição particular, muito atenta, consciente e ética. Através deste propósito, questionam-se quais as vozes e quais as sonoridades que foram historicamente subalternizadas e marginalizadas, assim como quem ou o que foi silenciado, e quais, por sua vez, foram as “vozes” autorizadas a ressoar. A escolha do bronze, um material extraído do solo, é simbólica e representa a memória, não apenas da humanidade, mas também da Terra, anterior à presença humana. O bronze foi o material eleito para destacar a herança que recebemos da era da industrialização, na qual a visão mecânica do mundo prevaleceu. Foi nessa visão mecanicista que se alicerçou a exploração mais intensiva dos recursos naturais, dividindo o mundo entre natureza e cultura, com a natureza sendo vista como inerte, passiva e silenciada para servir a cultura humana. O bronze nestas peças não é uma escolha somente estética que poderia passar pela fetichização do seu valor enquanto material nobre, mas também uma representação simbólica desse contexto histórico e da crítica à cultura extrativista, que se aplica não apenas às matérias-primas usadas na energia (quer fóssil, quer dita “limpa”), mas também extensível aos nossos corpos num sistema capitalista.
Arder a palavra — e outros incêndios
Nesta peça têxtil, a “voz” de Ana Luísa Amaral (1956–2022), poetisa, feminista e teórica queer, é enunciada enquanto ainda audível e ressonante, quer nos arquivos da rádio Antena 2 — no programa que mantinha intitulado O Som que os Versos Fazem ao Abrir, cuja abertura incluía a recitação do poema da norte-americana Emily Dickinson: “Se leio um livro e ele torna o meu corpo tão frio/Que nenhum fogo o pode aquecer/Sei que isso é poesia” — quer através dos seus ensaios, especialmente nos que se encontram no livro Arder a Palavra — e outros incêndios. Neste livro, Ana Luísa Amaral explora a presença do corpo na literatura, usando o fogo como um símbolo de desejo de contacto, como se por detrás de toda a literatura houvesse sempre um corpo que procura outros. Assim, se nestes ensaios a autora reflete sobre as materialidades, a presença e o desaparecimento, o real e o imaginário, o fogo aparece também como elemento disruptivo e instaurador de mudança, marcando uma viragem nos paradigmas estruturais, para albergar perspetivas corporalizadas, assentes nas sensações, emoções e de cariz fisiológico. A escolha de uma técnica têxtil tradicional da zona de Beiriz, patente na realização do “quadro-tapete”, serve para realçar o cruzamento etimológico da palavra têxtil com texto, traduzindo a voz que se expressa e se afirma na escrita numa nova visualidade.
O Teatro das Plantas
As micronarrativas de O Teatro das Plantas partem de dados biográficos de Aurélia de Souza e de observações e recomendações ficcionalmente trocadas, ao longo de extensas gerações, entre mães e filhas, entre irmãs, e entre filhas que passam a ser “mães”, num teatro familiar de cuidados mútuos, recriado além do parentesco linear. No conjunto, ter-se-á procurado dar espaço de representação literária ao que é comummente tido como insignificante (com pouco ou de desvalorizado significado), registando-se a familiaridade dos gestos trocados e as relações de cumplicidade estabelecidas entre humanos e os animais, as plantas, o mar e o rio, e desta forma complexificando o sentido de coexistência. Em contraste com a brevidade do que é ouvido, imagens de um painel cerâmico, feito do composto de vários jardins da cidade do Porto, são projetadas a um ritmo vagaroso, interrompendo expectativas da experiência de tempo comum e retendo a atenção no instante. Para esta composição, Kali/João Leonardo/PASSARUMACACO criou um ambiente sonoro, estruturado a partir dos elementos naturais implícitos nas narrativas.
O projeto O Teatro das Plantas, apresentado publicamente em 2023 — inicialmente como uma performance em fevereiro, no Museu Nacional de Soares dos Reis e posteriormente em formato de vídeo em julho durante a residência no espaço Performing the Archive — evoluiu através de um processo de exploração da própria voz da artista. Esta exploração envolveu repetidos ensaios até à exaustão, realizados num ambiente de estúdio. O projeto expandiu-se para analisar a complexa relação de se ser, num primeiro momento, simultaneamente o emissor e o recetor da voz, reconhecendo características particulares, padrões e imperfeições nessa voz, e possivelmente até um certo encanto, com o propósito de a moldar e torná-la adequada à expressão pública. Esse fenómeno de estranhamento, causado pelo desfasamento entre a voz interna, que é conduzida no interior do corpo pelos tecidos moles e pelwos ossos, e a voz já exteriorizada, fora do corpo, foi explorado com o auxílio de equipamentos de gravação vocal. Além disso, a voz escrita também se entrelaça aqui com a redação de uma série de breves histórias interconectadas que evocam o jardim retratado na pintura intitulada À Sombra (s.d.), da artista Aurélia de Souza. Nesta terceira apresentação de O Teatro das Plantas, também foi incluída a tradução para a língua inglesa, que representou por si só um notável desafio, juntamente com uma série de esculturas em gesso. Estas esculturas foram criadas com base em estímulos retirados das narrativas recitadas.
2023