CARVALHO, Isabel — Text for the handout of the exhibition Os ovários das papoilas 


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Comentários de Clara Batalha sobre Pequena Estética de Max Bense


1.
A extrema redundância gera informação minimamente original. E isso acontece pela defesa de certas formas. Insiste-se na sua aparição, desvinculada de um desejo externo. Está próximo de uma mania gráfica. A repetição é absurda, mas é eficaz porque cria um hábito. Mais tarde, as formas são difíceis de ignorar. Identificam-se como sendo, desde sempre, visíveis. Progride-se, assim, na construção de um mundo estético. E é aceitável que estas formas nos arrastem para um eu produtor ou conseguimos vê-las plenamente integradas na ilusão do incriado, apenas como produto da mutação orgânica?

2.
A observação dita uma disciplina da diminuição. A ordem das coisas precisa de ser representada por sínteses. Acusar-nos-ão de ornamento, é certo, mas essa é tão-só uma expressão popular enraizada culturalmente. Os meios trazem consigo tecnologia avançada sem que disso se dê conta – não é preciso agarrar o tempo porque o tempo é-nos inerente. Na defesa das formas, estas têm atributos que não se devem negligenciar: no essencial são harmoniosas. Raramente desagradam e são absorvidas como formas naturais – embora já não o sejam.

3.
A divisão entre processos cujas decisões são programadas, matemáticas, e os processos internos aparentemente espontâneos, sem programa algum, onde se encontram traços muito subtis de biografia, carece de explicação. Mas esta é apenas uma divisão por convenção porque é próprio das decisões misturarem-se. O número de decisões é elevado, ainda que não pareça. Porém, é possível que o produtor se disponibilize a dar-nos conta dos seus processos ou poderá deixar completamente à análise posterior (e à ideologia de quem a faça) o traçar dos processos originários das formas.

4.
Aqui, a matemática, nas suas regras mais simples e quando utilizada na elaboração das formas, surge como uma libertação enorme do produtor (como ente criador e de plena responsabilidade) face às exigências de coerência. Uma mistificação da produção pode ser bem aproveitada em termos práticos, mas terá danosas consequências no desenvolvimento de um ser processual – consciente de si como metamorfose oscilante, vulnerável e com capacidade de expressão. (Não, nem todo o produtor é uma máquina assertiva!). A unidade criativa é só um trabalho de bijuteria - o de enfiar pequenas identidades mortas numa linha. Um ilusionismo.

5.
Sem dúvida que há artes mais exploratórias da subjectividade e extractivas de fundos pessoais do que outras, mas dependerá disso a eficácia de certas formas aquando da recepção?  A produção é sempre estratégica – não vale a pena considerar a expressão sem considerar uma finalidade ou uma enorme barreira se entrepõe na construção de um mundo estético (deixa de haver, aliás, mundo!). Tomando em conta a valorização que se possa dar quer a uma quer a outra produção, as formas vêem-se como presenças naturais. E quanto mais simplificadas - diminuídas de atritos a que fiquem reféns - melhor.

6.
A diminuição geral (de qualquer excesso) em favor de uma síntese da representação integra-se na preocupação com a construção de um ambiente harmonioso: não se deve experimentar nada de intromissivo, que provoque inquietações desnecessárias. Porém, o recurso a máquinas complexas, geradoras de formas extravagantes (ainda que mantenham uma tendência minimal), pode ser justificado como modo de suprimir desigualdades, e recuperar a harmonia geral. Não vamos aqui explorar todas as dimensões do conceito de harmonia (que rapidamente se percebem), designamos apenas uma das principais e que largamente sumariza as restantes: a harmonia entre as pluralidades formais na manutenção da presença da sua diversidade.

7.
Fizemos referência à aparição de formas sem desejo externo (singularizado), mas logo destacamos a sua recepção – como entidade que as possas ter requisitado. Para que se entenda um pouco melhor, basta imaginar que não há, de facto, uma necessidade anterior que exija a existência de um certo tipo de formas – tal como se isso fosse um estímulo à produção. Estas podem ser recebidas agradavelmente sem terem sido desejadas. Convencer-nos-íamos disso facilmente se pensássemos que é apenas o movimento material que acciona a sua formação e que a nossa capacidade de tomar decisões somente incita a aceleração ao proceder-se à selecção de algumas. Nada disto acontece no vazio nem no seu contrário (cheio), mas na consciência que temos dos movimentos intermediários.    

8.
Na defesa de certas formas, suspeitar-se-ia que se estaria a convergir para a definição de estilo.  Se as formas fossem defendidas isoladamente – e delimitadas, por exemplo, por um nome –, talvez. A tendência é a de se constituírem agrupamentos temporários por afinidades (determinadas no tempo e no espaço), reconhecíveis como estando mais próximos daquilo que se define como movimento.

9.
Na redundância não há recusa de inovação – pelo contrário. A inovação acontece na saída de um labirinto de decisões. Também não é premeditada, mas é ansiada como um acto de pura superação (é certo que muitas vezes é em vão). O desvio e a sinuosidade são as ocorrências a que se deve a inovação. Por ínfimos que sejam os sinais de originalidade, a nossa atenção deve estar treinada para percebê-los. 

10.
Conclui-se que certas formas são a expressão simples de algo muito complexo. A indeterminação das formas, deixando-as em aberto, conduz a algo importante – ao entrosamento do receptor com o produtor, à perda dos seus lugares e à aceitação das formas por si mesmas. Porém, dois pontos daqui se deduzem: que a defesa de certas formas pode partir de uma iniciativa pessoal, mas que rapidamente se torna numa causa colectiva, onde não mais se distingue o indivíduo e, por isso, tende sempre para o anonimato (as formas vivem, “vagueiam”, nesse anonimato); segundo, seria errado retirar daqui uma abordagem meramente formalista, que exclua os condicionalismos de contexto.
2018